|
Plano Real e o Sistema Financeiro |
No momento em que o Plano Real comemorava o seu quarto aniversário, realizava-se no
Rio de Janeiro importante encontro, reunindo empresários e autoridades, para avaliar as conquistas do presente e discutir as alternativas para o futuro. Como todos sabem, estes últimos
quatro anos estão dando forma a um dos períodos mais fecundos da vida brasileira e, na moldura maior das nossas expectativas de futuro, testemunham a nossa capacidade de dar respostas
coerentes aos desafios.
No âmbito dos bancos, a transição se deu ao longo de sucessivas etapas. Poderíamos dividi-la em dois marcos: antes e depois do Plano Real.
Antes do
Plano Real
Os bancos não apresentavam produtividade adequada. Embora exercessem o importante papel de proteger os ativos da população, dependiam excessivamente do "float" e dos
ganhos inflacionários.
O ponto de partida para o ajuste foi o plano Cruzado, em 1986. A inflação foi alçada à condição de inimigo principal da sociedade. Os bancos concluíram que, mais
cedo ou mais tarde, a tendência natural seria conviver com moeda estável.
Os esforços na busca da eficiência se acentuaram, com os investimentos em automação. Também o sistema ajustou o
quadro de funcionários a padrões adequados de produtividade.
Depois do Plano Real
1994 - A inflação, que rondava o patamar dos 2.700% em 1993, recuou para 910% ao longo do ano
de 1994 e, no segundo semestre daquele ano, portanto, depois da implementação do Plano Real, foi de 17%. As estatísticas mostram que a renda da população aumentou 20%, incorporando ao
mercado massa considerável de consumidores. Fiel à sua condição de legítimo agente financeiro, o sistema bancário mobilizou-se para atender às naturais demandas por crédito decorrentes do
consumo.
1995 - O governo recorreu a fortes medidas monetárias. Evitou que se repetissem aqui turbulências como as que abalaram a economia mexicana, mas a contrapartida negativa foi a
inadimplência. O volume de empréstimos totalizou R$ 242,5 bilhões, para uma inadimplência de 5,66%.
1996 - A realidade era cada dia mais clara: os bancos que não administrassem com
êxito as adversidades da conjuntura não sobreviveriam. O Proer, o Proes e o Raet indicavam, com nitidez, a direção de uma nova reorganização do sistema, com base em fusões, incorporações e
aquisições, além da privatização no setor bancário estatal.
1997 - O choque da crise asiática veio interromper um saudável processo de recuperação. Novamente os juros aumentaram.
1998 - O traço em comum com os anos anteriores são as previsões de reduzidos índices de expansão da economia. Em torno de 2%, possivelmente, embora a inflação continue em baixa, devendo
fechar o ano em 4%. Os ganhos inflacionários representam em média 0,5% das receitas - em 1993 representavam 26%. O reforço das receitas passou a ser traduzido pela maior objetividade da
cobrança das tarifas bancárias, irrelevantes no período inflacionário.
Ao longo de todo o período pós-Real, inúmeras instituições financeiras passaram por intervenção, regime de
liquidação e ajustes. Os recursos investidos pelo Proer somaram cerca de R$ 21 bilhões, equivalentes a 2,5% do PIB. Foi o menor custo de ajuste já realizado, em comparação com outros países
onde ocorreram processos semelhantes: Chile, 19,6% do PIB; Argentina, 13%; e Venezuela, também 13%.
Seguramente, a melhor testemunha de que o sistema bancário e o governo agiram de
forma correta foi a presteza com que os bancos vêm reagindo aos impasses da economia internacional. Igualmente se pode citar a trajetória de estabilidade da moeda, sem paralelo, se
comparada a todas as outras tentativas anteriores de superar o ciclo inflacionário. Mas os impasses do presente sugerem que o Plano Real necessita fazer sua própria transição. Ou seja,
equilibrar os mecanismos de política financeira e cambial com o aprofundamento das reformas fiscal e da Previdência, partes da sua arquitetura, mas prioritárias desde o primeiro momento.
Não há dúvida de que o sistema, que já é sólido, se fortalecerá ainda mais. Contudo, o caminho a percorrer será longo. Os anos de inflação ficaram para trás, mas continuamos nos
guiando por regras que, na sua essência, são herdeiras daqueles anos de moeda instável e economia protegida.
O exemplo da CPMF é ilustrativo. Em 1993, foi introduzida em caráter de
transitoriedade a cobrança do IPMF. Reintroduzida em 1997, como contribuição provisória, é um inconsistente tributo com base em movimentação bancária. Representa forte desestímulo ao
relacionamento cliente-banco e tem efeitos inflacionários pelo fato de incidir em cascata na composição de custos. Não há precedente desse critério em nenhum dos demais países e achamos que
o Congresso Nacional deva ser sensibilizado para não renová-la.
Um segundo tema, de crucial importância e também de grande atualidade, é a questão da redução das taxas dos
recolhimentos compulsórios sobre os depósitos à vista das instituições financeiras. Nossa opinião é que essa iniciativa deveria ser imediatamente posta em prática. Pelas seguintes razões:
Eliminaria as desigualdades de competição entre bancos privados e bancos estatais, estes muitas vezes merecedores de tratamento diferenciado quando se encontram sobre intervenção.
Seria um passo importante para elevar o estoque de capital à disposição da sociedade e, conseqüentemente, as taxas de investimentos.
Aliada à redução da cunha fiscal, reduziria,
sensivelmente, os juros.
Todos sabem quão positivos seriam acontecimentos como esses para a atividade econômica, em especial para a manutenção de postos de trabalho, a criação de novos
empregos e a competitividade dos nossos produtos.
Para o sistema bancário, tais avanços implicariam significativos ganhos de competitividade:
Criariam parâmetros impositivos
adequados a este momento de abertura do mercado e crescente concorrência internacional.
Camadas crescentes da sociedade se habilitariam a movimentar conta bancária, refletindo um
aumento do número de correntistas e com mais pessoas sendo incorporadas ao mercado formal de crédito.
O Plano Real motivou inquestionável aumento do poder aquisitivo da população. Esse
fato pode ser bastante amplificado, se levarmos em conta que o mercado de consumo brasileiro potencialmente é o quinto maior do mundo. E, no caso específico do mercado financeiro, é
revelador o interesse de bancos internacionais. Um conceito que pode e deve ser levado em conta é o mecanismo de reciprocidade entre os países.
Certamente, podemos dar todos esses e
muitos novos passos à frente. A grande meta que vislumbro para o hoje e o amanhã é construir um modelo de convivência que se ajuste ao novo perfil da realidade econômica. É do conhecimento
comum, por exemplo, que as reformas estruturais, por mais que avancem, não produzirão efeitos modernizadores antes do nascer do século 21. Mas a verdade é que o Brasil tem pressa. Não pode
esperar tanto para voltar a crescer a taxas que assegurem a necessária produção e circulação de riquezas a um país de dimensões continentais e com tamanhas exigências sociais.
Essa
adversa escala de tempo poderia muito bem ser superada com soluções de longo alcance. Uma via intermediária poderia ser a flexibilização da política monetária, o que significa um esforço
determinado, e visível, para reduzir o custo do capital. Todos ganhariam com uma medida de tal magnitude e abrangência. A contrapartida poderia ser a redução sensível dos gastos públicos,
com a revisão da política fiscal.
São sugestões extraídas da experiência cotidiana e do balanço do caminho percorrido nestes quatro anos. Estão alinhadas com as expectativas do
sistema bancário de trabalhar para consolidar uma forma de aprofundamento do Plano Real que seja capaz de acolher e adaptar as peculiaridades brasileiras aos modernos valores da competição,
alicerçada na igualdade de oportunidades, na clareza de regras e, enfim, numa agenda que amplie continuamente a modernização.
Cada novo avanço enriquecerá a vocação brasileira para
o êxito e o nosso otimismo como nação. Com isso o Plano Real ficará ainda mais fortalecido para preservar e ampliar tudo o que conquistou. O que é possível e, acima de tudo, desejável.
Fonte: A Gazeta Mercantil, 02/07/1998Por: Lázaro de Mello Brandão
|
Voltar |
|
|
|