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A Escolha do Menos Traumático |
Os leitores que nos acompanham poderão estar lembrados de que em nossos comentários ao longo da semana passada,
a respeito das turbulências que afetavam os mercados de ações e financeiros em escala mundial, dizíamos que os governos modernos não estão instrumentalizados para adotar medidas
preventivas, de natureza regulatória ou inibidora dos movimentos especulativos súbitos de capitais que transitam pelo mundo graças às transferências instantâneas por meios eletrônicos.
Acentuávamos ainda que tais medidas, independentemente de análises sobre sua conveniência, são de qualquer forma extremamente difíceis de ser implementadas.
O que na verdade pode
ser adotado, com efeitos práticos imediatos, diante desses surtos imprevisíveis, são providências defensivas "a posteriori". E foi isso, exatamente, o que vimos o Banco Central do Brasil
fazer no final da tarde da última quinta-feira, ao elevar extraordinariamente a chamada TBC, taxa básica de juros, e a Tban, taxa básica de assistência financeira, numa linha semelhante `a
adotada pelo próprio governo de Hong Cong, e que aqui representa uma guinada na política anterior de gradual redução, das taxas de juro.
Os pronunciamentos que se seguiram, por
parte de fontes qualificadas para analisar as decisões de natureza financeira, foram, em sua maioria, no sentido de que essa era a opção mais sensata, provavelmente a única, pois sua
alternativa - uma significativa desvalorização cambial - teria certamente efeitos ainda mais traumáticos na economia. Não se tratava, portanto, de adotar uma boa medida, e sim a menos ruim.
E não pode haver dúvida de que a alta dos juros, caso mantida por período prolongado, será ruim para o conjunto da economia e pior ainda para o próprio setor público, uma vez que
poderá ter efeitos adversos para os esforços de contenção do déficit público, no qual um dos principais componentes é justamente o serviço da dívida pública, ou seja, os juros pagos por
ela.
No entanto, como em economia as decisões são sempre uma moeda de duas faces, existem alguns aspectos positivos a serem observados, dependendo, é claro, do manejo que as
autoridades se proponham fazer na questão dos juros nos próximos dias. Um deles é que essa decisão tende a proteger as reservas internacionais do País, contendo uma evasão de divisas que
poderia tornar-se ameaçadora. Conforme publicamos na sexta-feira passada, a queda de reservas na semana pode ter sido da ordem de US$ 7,8 bilhões, o que não significa perda ou "queima",
pois uma parcela representa pagamentos que de qualquer forma teriam de ser honrados em outubro. Outra parcela ficou em poder dos compradores de moedas fortes no País e somente uma parcela
menor pode ter sido expatriada, sendo que nesses dois casos pode-se esperar que retornem, uma vez normalizado o panorama internacional. Entre março e abril de 1995, na sequência da crise do
México, também houve redução de reservas, que no, entanto, se recuperaram em apenas um mês e tinham então a metade do nível atual. E tivemos uma recessão na sequência porque a alta dos
juros foi prolongada. Outro aspecto, que no momento não pode deixar de ser considerado positivo, é que a alta dos juros, mesmo temporária, tende a inibir as importações de um lado, até pela
perspectiva de queda no consumo doméstico, e, de outro, estimular as exportações, uma vez que seus agentes contam com financiamentos externos a juros menores e podem sentir-se inclinados a
antecipar esses créditos para aplicá-los no mercado interno. Os importadores também têm acesso a financiamentos externos, mas sabem que o consumidor interno estará mais retraído e menos
propenso a aceitar os juros locais.
Arma-se, portanto, um cenário no qual alguns efeitos positivos sobre a balança comercial e na proteção das reservas serão os primeiros a surgir,
seguidos, numa segunda etapa, caso se prolongue a alta dos juros, dos efeitos negativos sobre a atividade econômica, o nível do emprego e o custo da dívida pública.
Uma palavra
final talvez possa ser dita sobre a questão da taxa de câmbio. Se o governo já tivesse desvalorizado o real, como tantos analistas insistiram em aconselhar ao longo do ano, não mais
disporia dessa arma de última instância para defender a economia daquilo que o ex-ministro Simonsen considerava mais "mortal" ainda do que a inflação, ou seja, a crise cambial.
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/1997Por:
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