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O mundo mudou, e os bancos? |
Já há algum tempo vem ficando cada vez mais claro que a função primordial de um banco de
atacado é entender em profundidade as características, riscos e necessidades financeiras dos seus clientes, para não apenas carregar uma porção desse risco no seu balanço, mas,
principalmente, explicá-lo e colocá-lo com investidores, sejam eles outros bancos, administradores de recursos, seguradoras ou pessoas físicas. Simplismente bancar risco "corporate" no
balanço, atividade típica do chamado banco comercial, fica cada dia menos atrativo financeiramente. Por outro lado, apenas entender e colocar risco com terceiros, atividade típica do
chamado banco de investimento, também se torna a cada dia menos viável competitivamente sem uma substancial alocação de capital para bancagem de posições. Em suma, no segmento grandes
empresas, é cada vez mais obsoleta e artificial a distinção entre banco comercial e banco de investimento.
Esse fenômeno é resultante da combinação de três forças: primeiro, uma
acelerada evolução tecnológica, que permite que informação sobre oportunidades de crédito ou investimento chegue de forma eficiente e em tempo real a investidores; segundo, uma evolução de
natureza regulatória, que vai eliminando barreiras para que emissores de um país encontrem investidores de outro e vice-versa; terceiro, o extraordinário aumento dos volumes de poupança
geridos por investidores institucionais que, ao ofertarem crescentemente espaço para "Bancar" risco, pressionam para baixo o "spread" do banco.
A consequência para o banco é óbvia:
passa a ser fundamental buscar eficiência máxima para o seu esforço de entendimento e explicação do risco em empresa-cliente, seja para o benefício de sua decisão de crédito, seja para a de
terceiros.
As evidências são abundantes. Na Europa, muitos dos principais bancos de investimento aliaram-se ou foram adquiridos por grandes bancos comerciais, fazendo do banco de
investimento independente uma espécie quase em extinção. Aqueles que não partiram para aquisições se reorganizaram combinando atividades afins para oferecer aos seus clientes
simultaneamente balanço e capacidade de colocação. No Canadá, o mesmo se verificou.
Mesmo os Estados Unidos, apesar do ainda prevalecente Glass-Steagall Act, não constituem exceção.
Aquisições como as de Alex Brown por Bankers Trust, Dillon Read por SBC Warburg, Robert Stephens por Bank of America e Montgomery Securities por Nations Bank reforçam a tendência de
absorção de bancos de investimento americanos independentes por grandes bancos americanos ou europeus. De uma forma ou de outra, via aquisição ou desenvolvimento "in house", os principais
bancos de empresas praticamente já não têm mais separação entre "corporate commercial banking" e "corporate investiment banking". E, do outro lado do muro do Glass-Steagall Act, os chamados
bancos de investimento independentes cada vez mais buscam oferecer "brigde loans" para transações que lideram e participam de forma mais permanente em créditos para seus principais
clientes.
No Brasil a história se repete, embora retardada por um período longo de taxas altas de inflação que levaram as áreas comerciais dos bancos a depender mais de receitas de
"float" e menos de créditos de longo prazo as áreas de investimento, mais de ganhos de "trading" e menos de comissões de colocação com terceiros de emissões de clientes. Do ponto de vista
regulatório, a legislação do banco múltiplo de l988 já havia criado total condição para o desenvolvimento do conglomerado financeiro moderno:um balanço consolidado forte e com liberdade
para dar crédito e para atuar no mercado de capitais. Liberdade também para trabalhar a sua base de clientes pessoa física oferecendo fundos e oportunidades de investimento. Era preciso, no
entanto, que se materializasse um cenário de inflação baixa e estabilização para que os bancos pudessem voltar a priorizar o entendimento profundo das características e riscos dos seus
clientes, não apenas para bancá-lo, mas também para poder explicá-lo aos mercados de renda fixa e variável.
Vale notar que não é apenas o segmento de atacado que passa por
significativa transformação. A estabilidade leva também o varejo a repensar o seu relacionamento com o cliente. É preciso entendê-lo para lhe dar crédito voluntário e de longo prazo.É
preciso também amortizar o custo de uma rede, física ou virtual, oferecendo produtos de investimento (fundos, previdência), de conveniência (cartão de crédito) e de seguros. E, portanto, o
segmento de varejo de um banco moderno tem de estar estruturado para usar inteligentemente o seu conhecimento do cliente, não apenas para lhe dar crédito, mas para ajudá-lo a poupar,
proteger-se contra riscos e, até mesmo, consumir.
É importante também observar que o atendimento à faixa superior do chamado segmento "middle market" tende gradualmente a tomar a
forma do grande atacado. Inflação baixa, estabilidade econômica e concorrência entre instituições financeiras continuarão fazendo com que mais e mais empresas se utilizem de operações de
mercado para se financiar e também acordem mais cedo para situações de fusões e aquisições. Rapidamente, um relacionamento puramente de crédito com uma empresa de "middle market" pode
evoluir para um relacionamento de intermediação para o mercado. Por outro lado, as necessidades de forte base de capital e de busca permanente de crescimento de lucros e de menor
volatilidade desses lucros devem continuar levando as instituições financeiras a combinar inteligentemente atividades de varejo e de atacado. O exemplo recente de maior visibilidade foi a
anunciada fusão entre a Dean Witter (corretora de varejo, cartão de crédito e administração de recursos) com o Morgan Stanley (banco de investimento e administração de recursos), de certa
forma replicando o modelo Merril Lynch de atacado e varejo.
Assim sendo, tudo parece apontar na direção de que a bem-sucedida grande instituição financeira do futuro, dos pontos de
vista de satisfação dos clientes (medida por fatias de mercado) e de "shareholdes value" (medida por retorno sobre capital), deverá compreender as atividades de banco de varejo e de
atacado/investimento, em torno das quais poderão orbitar operações sinérgicas e complementares como administração de recursos, seguros e, possivelmente, outros serviços de conveniência.
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/09/1997Por: Fernando B. Sotelino
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