Não tenho, pessoalmente, nenhuma antipatia ou resistência a Lula ou ao PT.
Já debati, em conferências e na televisão, com inúmeros de seus líderes (Mercadante, José Dirceu, José Genoíno, Eduardo Suplicy, Guido Mantega, Marta Suplicy, Ruy Falcão e outros), tendo
patrocinado os interesses da sra. prefeita de São Paulo na ação popular em que figura como ré, sem que, a meu ver, haja dado razões de fato ou de direito para ser acionada. Somos, Hélio
Bicudo e eu, co-autores de um livro sobre Direitos Fundamentais. Tenho, pois, respeito por todos, nada obstante hospedar concepção diversa sobre economia e política. Tenho, também, a
impressão de que mereço daqueles com que tratei no partido a mesma consideração.
Esta introdução objetiva, todavia, expor minha análise, embora ainda perfunctória, do que
representa, na candidatura Lula, a "síndrome do passado".
De um lado, é de realçar a imagem, que cultivou por muitos anos, de ser um homem firmemente contrário ao sistema financeiro
internacional e ao mercado de capitais externo, sobre ter admiração pelas poucas ditaduras que restaram, como a de Fidel Castro e a da China. De outro, não é menos relevante, no campo
interno, o fato de ter defendido, no início, as invasões de terras pelo MST, a distribuição de renda via elevação de tributos, além do aumento dos quadros e vencimentos do funcionalismo
público, nada obstante o peso cada vez mais insuportável da máquina administrativa sobre o cidadão.
Em outras palavras, em seu slogan de combater o fantasma de um "indefinido
neoliberalismo" (ninguém sabe exatamente o que seja, à luz do crescente protecionismo americano e europeu), alberga teses em que o lucro não é bem visto e deve ser distribuído, e todos os
estrangeiros, se quiserem vir para o Brasil, devem aceitar as metas ideológicas do partido.
Tendo dito que os investidores são especuladores, que o FMI é o grande inimigo dos países
em desenvolvimento, que o empresário é sonegador, que o presidente argentino que substituiu De la Rúa por três dias tinha seu apoio por ter rompido com o FMI, que Fidel Castro é um modelo
de governo bem-sucedido, que Chávez é o maior líder da América Latina e que Jospin mereceria a admiração de todo o mundo, sobre sugerir que os que ganham mais sejam tributados pelo Imposto
de Renda à alíquota de 50% - nada obstante pagarem mais uma centena de outros tributos diretos ou embutidos nos preços e serviços que adquirem ou recebem -, à evidência terminou por criar
um receio no mercado externo, e também internamente, de que seu governo poderá assemelhar-se ao modelo criticado por Peter Drucker em O Estado Fiscal.
Nele, tudo o que as pessoas
possuem pertence ao Estado, menos aquilo que o Estado delas não quiser retirar.
Ora, nada mais natural - nada obstante o bom nível de seus assessores e líderes de partido - que quem
tenha recursos aplicados no País esteja preocupado com um governo petista e pretenda ser cauteloso em se envolver com o País até que fiquem mais claros os horizontes.
É de lembrar
que, apesar do bom trabalho do presidente do Banco Central e do ministro da Fazenda e do suporte arrecadatório ofertado pelo secretário da Receita Federal - todos os três bem conceituados
no exterior -, a radiografia do quadro brasileiro não é brilhante: déficit nas contas externas de US$ 22 bilhões (2001); incapacidade de alavancar as exportações em razão de uma política
impositiva que leva o País a exportar tributos e do amadorismo na defesa de nossos interesses no plano externo; carga tributária de 34,5% dificultando o desenvolvimento das empresas;
protecionismo às avessas no comércio interno, em que qualquer produto importado paga menos PIS, menos Cofins, menos CPMF do que idêntico produto fabricado no Brasil; máquinas
administrativas esclerosadas; déficit previdenciário com os servidores públicos (10% da população) quatro vezes e meia superior ao provocado pelos inativos do setor privado (90% da
população); destinação - o que ainda é pior - de mais de 50% de toda a receita tributária nacional exclusivamente para pagamento da mão-de-obra oficial (50%, União; 60%, Estados e
municípios).
Esta é a realidade nacional. Pergunto, agora, se algum dos leitores deste artigo teria a coragem de investir, neste momento, suas economias na Argentina. Mais do que
isso: se algum consultor, sem pôr em risco seu prestígio profissional, poderia aconselhar investidores brasileiros a investir na Argentina, garantindo-lhes segurança e rentabilidade.
Ora, o que fazem os consultores externos para os investidores interessados no Brasil é exatamente dizer o que diriam a investidores brasileiros, se estes quisessem investir na
Argentina: "Cuidado!" - visto que o candidato que está na frente nas pesquisas não diferenciou entre "investidores" e "especuladores" nem explicitou de que maneira faria sua distribuição de
renda. Tal discurso não lhes oferece nenhuma garantia de que o seu investimento estará assegurado.
Não obstante a reação natural esboçada por todos, desde o presidente da República
até o próprio Lula, contra as avaliações das agências de "rating", compreende-se que um profissional estrangeiro da área de consultoria não se queira comprometer. Em outras palavras, o
discurso pretérito do candidato é hoje o maior obstáculo a que um profissional da área, no exterior, garanta que os investimentos de seus clientes no Brasil estarão seguros no futuro.
Enfim, depois do colapso argentino, a imagem de todos os países emergentes foi atingida, o receio de uma contaminação daquela crise permanece e, por ser a economia uma ciência
"psicossocial", as frases não pensadas, muitas vezes, provocam estragos e conturbam o futuro muito mais do que os próprios fatos.
Reagir a este quadro com racionalidade, e não com
emoção, e trabalhar para que uma nova imagem seja construída, à luz dos aspectos positivos e negativos da economia globalizada do momento, é tarefa que exige visão de estadista - figura
escassa no cenário nacional.
Ou o Brasil não precisa de recursos externos, e qualquer discurso é tolerável, ou deles precisa, e não se deve afastá-los por amadorismo ou preconceito.
Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito das Universidades Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos
Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (CEU)
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2002Por: Ives Gandra da Silva Martins
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